Andar pelas ruas e ver um monte de pessoas estranhas lhe servia como fantasia. Para cada rosto, uma história diferente. Desejos diferentes surgiam em sua mente como um amontoado de anúncios na página dos classificados. Sempre uma história de amor, com muita paixão, com o mesmo encanto e delicadeza da coluna literária do jornal do domingo anterior. Aos seus olhos, a vida era o mais lindo soneto. Apertos de mão, encontros casuais, para tudo ele achava motivo, e coincidência era uma coisa que não existia e ponto final. Estava tudo escrito nas estrelas e mil fatos precisavam acontecer para que um simples e único encontro se desse. Era tudo arranjado em versos de métrica mais-que-perfeita. Não era coincidência encontrar numa sala de espera o cara legal que vira há um mês em outra sala de espera. Era destino. A vida era determinada pelo destino e nada mais.
E não só de salas de espera vivia o homem, também de lojas e corredores de shopping centers. Postos de gasolinas, clubes e pubs. Em todo lugar havia um alguém diferente com quem se podia criar uma história de começo e meio. O fim não poderia existir, pois era o fim que lhe causava calafrios, era do fim que ele tinha medo. Já era-lhe suficiente lembrar dos pedaços deixados pelo fim da história anterior. Por isso não desejava repetir os fatos buscando o mesmo enredo. Ele procurava quem preenchesse seu coração, procurava alguém para quem voltar, como se seu corpo fosse um navio a conduzir seus dias em maré alta. E tinha ânsia de paixão, de história para contar. Queria flutuar em campasso com as batidas do coração apaixonado, que deveria bater como uma zabumba. Seu maior anseio era se sentir tomado por alguém que também o faria delirar de prazer nas horas de paixão tórrida.
Ele era um homem na tentativa de desconstruir a idéia romântica de amor. Racional, ele não poderia admitir Romeus ou Julietas, nem qualquer cavalo branco. Mas por ser passional, na sua fantasia, sempre havia uma história falsa que ele mesmo tratava de imaginar e que, através das palavras que escrevia, ele tentava eternizar. Por ser passional, ainda acreditava em alma gêmea e coçava o dedo anelar, ora na mão direita, ora na esquerda (quando as histórias criadas em sua mente fértil pareciam-lhe bem arranjadas).
Era sim um homem com vontade de ser feliz, com vontade de desejar, amar e se apaixonar. Vestia-se com cuidado e caminhava pelas ruas tentando encontrar quem o fizesse feliz. Entrava em lugares, em desespero, para saciar o desejo por horas tórridas. Na volta para casa, ele parava na redação de algum jornal e mandava escrever em letras garrafais o seu íntimo anúncio: "Vende-se um coração".